Quando se entra na cozinha com plena consciência, percebe-se, por exemplo, que as cenouras (ao menos as orgânicas) têm uma bela cor e um cheiro muito gostoso, que suas ramas e folhas são muito mais fortes do que a gente pensa e que essas raízes pequenininhas, que teimam em ficar penduradas ainda depois se serem vigorosamente escovadas com bucha vegetal, são de suma importância porque contribuíram para que elas crescessem bonitas desse jeito.
Ao observar suas sementes, de no máximo alguns milímetros de comprimento, o sentimento que vem à tona com força avassaladora é o respeito, imediatamente depois, gratidão. Ambos, diga-se de passagem, em escala amplificada. Nunca entendi o porquê elas são vendidas sem seus talhos e ramas nem o absurdo de essas folhas e ramas serem jogadas fora na maioria das vezes. Hoje, falo sobre cenouras porque passei boa parte do dia com elas, mas a reflexão se aplica a uma variedade imensa de frutas e verduras.
Tal vez o fato de ser imigrante tenha propiciado um olhar mais atento para a questão do desperdício, mas nem tanto. Desde que me conheço por gente, sinto-me atraída pelo natural. Passar parte da minha infância e adolescência muito próxima de comunidades alternativas acho que também influenciou essa minha percepção de que tudo aquilo que vem da terra é sagrado e por tanto deve ser respeitado.
Voltando às cenouras, chamou poderosamente aminha atenção o fato de poucas pessoas terem comido suas folhas e talhos in natura. Isso descobri ao compartilhar o nosso estoque com alguns dos nossos vizinhos e clientes. É inacreditável que a pesar de todos os avanços e da overdose de informação a qual somos expostos, para muitos, o alimento ainda não representa uma das principais e mais importantes das prioridades, quando na realidade, de ele depende o nosso desempenho físico e intelectual para dizer o mínimo. Estudos comprovam que a forma como nos relacionamos depende em grande parte da forma como o nosso intestino trabalha. Em poucas palavras, se você se alimenta corretamente, tudo flui corretamente. Caso contrário, começa o desequilibro de indivíduos e consequentemente, de sociedades inteiras.
Preocupa o desleixo generalizado com o alimento e o ato de se alimentar, e isso fica alarmantemente evidente quando você visita shoppings ou supermercados. O mais triste? Ver esse comportamento ser passado de pais para filhos em grande escala. Se o assunto for escolas e cantinas escolares, a situação só piora.
Um dos pilares da Cozinha Consciente é evitar ao máximo o desperdício. A atitude não se limita unicamente a aproveitar os alimentos de forma integral, o que inclui obviamente utilizar suas cascas, talos e folhas, mas também encaminhar o pouco que sobra para estações de compostagem a fim de continuar o ciclo. Um outro pilar fundamental, é a multiplicação do conhecimento, seja a través da conscientização coletiva, da implementação de boas práticas de preservação, ou da preparação do próprio alimento, através de processos sustentáveis e ingredientes naturais.
Por aqui, trabalhamos para honrar o nosso compromisso de cuidar da mãe terra e cuidar dos outros como dos nossos. Seguir rigorosamente práticas que evitem o desperdício, é um hábito contínuo que praticamos diariamente com alegria e leveza. Ao terminar de digitar este texto, retorno à cozinha e retomo a limpeza e o armazenamento daquelas belas cenouras. É um enorme privilégio tê-las em abundância. Ao contemplar sua cor e ramas estonteantes, só me resta comer e agradecer...
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